E se isto por vezes nos acontece enquanto adultos, que temos muito mais recursos para lidar com a frustração e relativizar a situação, uma criança que está a construir o seu “eu”, a imagem de si perante o outro, o seu papel no contexto em que vive, e cujas emoções tem alguma dificuldade em gerir, vai certamente acontecer com a criança.
Maria Montessori dizia: “Toda a ajuda DESNECESSÁRIA é um obstáculo à aprendizagem”.
Querendo com isto dizer que tudo o que fazemos pelo outro, que ele consiga fazer por si mesmo (ainda que a outro ritmo e na sua medida), estamos a tornar-nos um obstáculo para que o outro verdadeiramente aprenda e aperfeiçoe a tarefa a realizar ou a competência a adquirir.
E isto acontece exatamente da mesma forma que quando falamos de uma alimentação deficitária, ou falta de atividade física, ou privação de sono, ou mesmo falta de condições de segurança, que são também obstáculos a um crescimento saudável, podendo gerar atrasos no crescimento, deterioração cognitiva, problemas de conduta, problemas de aprendizagem, um sistema imunitário débil e um sem fim de situações.
Sendo que as consequências da segunda situação mais visíveis, ou identificáveis ou mais fáceis de relacionar com a causa do que na primeira situação, em que o que pode acontecer é uma birra, ou uma maior apatia….
Nós adultos preocupamo-nos em intervir nas atividades das crianças, impomos o nosso ritmo de vida sem respeitar as verdadeiras necessidades das crianças na conquista pela sua independência.
Perante uma queixa ou choro dizemos-lhe que é mimado, não sabe o que quer, quando muitas vezes é uma reação de defesa da criança perante necessidades não satisfeitas e, como refere Maria Montessori em “A mente absorvente”, a falta de alimento à sua vida psíquica.
Podemos falar de diversos obstáculos com que a criança se depara diariamente seja na escola ou em casa, e os seus efeitos, através de uma relação de causa-efeito (aqui ficam alguns exemplos):
Obstáculos | Efeitos |
Imobilidade: criança em frente a uma TV | Criança como participante passivo no processo de aprendizagem |
Isolados da realidade, falta de experiências reais | Recurso à fantasia |
Desordem | Insegurança |
Correção constante do outro | Medo, falta de sensação de êxito pessoal |
Dar tudo feito, não aprecia processo | Detrimento da sua autossuficiência |
Falta de limites | Insegurança |
Aprendizagem reforçada com prémios e castigos | Dependência emocional externa; medos; mentira; complexo de inferioridade; competitividade |
Conhecimento memorizado | Rápido esquecimento, falta de interesse por aprender |
Poucos materiais de manipulação concreta para aquisição de conceitos abstratos | Desequilíbrio, ausência de concentração e livre fluir |
Pouco trabalho com as famílias, educação entregue à escola | Dependência do adulto; medo, mentiras, manipulação |
Falta de silêncio | Ausência de concentração e livre fluir |
Adulto decide pela criança | Ausência de identificação da sua vontade, capacidade de decisão |
Impaciência, raiva do adulto | Desobediência, insegurança, preguiça, passividade |
Maria Montessori referia no seu livro “A mente absorvente” que quando um ambiente convida com os seus atrativos e oferece motivos para uma atividade construtiva, então todas as energias se concentram, ajudando a criança a construir a sua personalidade de forma saudável e equilibrada.
Esta concentração num determinado trabalho com tudo o que este acarreta, permite que aflore uma disciplina espontânea, um trabalho contínuo com alegria e um sentimento de compreensão em relação ao outro e de pertença a uma família e sociedade.
Maria Montessori no seu livro “A criança” refere ainda que é absolutamente necessário que termine uma época em que a criança é considerada como um objeto que se transporta para qualquer lado em pequena, e já maior, deve obedecer e seguir o adulto. Este conceito é um enorme obstáculo para que a vida da criança seja equilibrada. Se a personalidade da criança deve ser auxiliada ao longo do seu desenvolvimento pela personalidade do adulto, que é poderosa, é necessário que esta saiba ser indulgente, tendo como ponto de apoio as diretrizes da criança, considerando uma honra poder compreendê-la e segui-la.
Por fim, no livro “A criança na família” Maria Montessori reforça esta ideia referindo que o primeiro dever do educador, esteja ele envolvido com um recém-nascido, bebé ou criança, é reconhecer a personalidade humana do ser pequenino e respeitá-lo. E para isso é importante observar a criança, olhar para esta de “igual para igual”, proporcionando-lhe um ambiente com amor mas também com limites pois são estes que lhe permitirão crescer com segurança.
Então como adultos perguntamo-nos:
– Como podemos ser uma ajuda ativa e não um obstáculo no crescimento da criança?
Este é um grande desafio, e sempre que penso em Montessori e não só, mas no papel do adulto em geral seja em que perspetiva ou pedagogia for, sinto claramente, que o trabalharmo-nos como sendo seres que potenciem um crescimento saudável das crianças, é sem dúvida o maior desafio!
Mas para isso basta treinar, pois somos resultado de um processo cheio de obstáculos, e o primeiro passo é mesmo tomar consciência de nós mesmos, como somos, como reagimos, e ir ao encontro do nosso coração para VER realmente a criança.
As ferramentas que mais nos podem ajudar neste processo são a meditação e a observação, pois a prática da meditação leva-nos à calma, ao contacto connosco, o olhar para o que se passa à nossa volta de forma mais objetiva, entendendo melhor as necessidades reais da criança.
Assim vamos-nos transformando pouco a pouco desde o nosso interior!
O nosso grande mestre… é mesmo a criança 🙂
Joana Rebelo