Enquanto que algumas pessoas olham para Montessori como uma abordagem livre e sem forma determinada, outras veem-na como rígida. A verdade é que Montessori situa-se no meio e liberdade e limites são ambas variáveis da mesma equação.
De facto, aquilo que se espera é que o ambiente seja construtivo para o desenvolvimento da criança e para a comunidade onde ela se insere. Montessori tem uma componente coletiva, de preocupação com o bem-estar do outro e um profundo sentido de comunidade, isto leva a que a estrutura definida sirva exatamente para que seja possível trabalhar num ambiente que é de todos. Imagine um puzzle que vai sendo usado ao longo do dia, cujas peças são postas em lugares diferentes, têm múltiplos usos e são colocadas ao calhas pela sala, enquanto são combinadas com outros brinquedos/materiais. Será certamente difícil para a criança que o queira usar em seguida o consiga fazer. Neste aspeto, por exemplo, Montessori é absolutamente rígido.
Outro exemplo de estrutura muito presente na educação Montessori, encontra-se na forma como os materiais são apresentados. A/o guia (nome dado em Montessori para professor/a ou educador/a) apresenta os materiais de acordo com uma sequência ordenada. No entanto, a criança tem liberdade para escolher aquilo que quer fazer. A estrutura surge assim como duas faces da mesma moeda, se por um lado a criança é livre para escolher aquilo com que quer trabalhar, é livre para se movimentar no ambiente, para se expressar e comunicar, para seguir os seus interesses, e neste sentido, existe pouca estrutura, por outro lado, o trabalho que executa, a forma como manipula os materiais, é estruturada. Por exemplo, a criança pode escolher limpar uma mesa, mas para o fazer existe um conjunto de passos que deve seguir.
Isto leva-nos a outro ponto fulcral: ordem. Quem convive com crianças sabe que se estamos habituados a fazer as coisas de uma determinada forma (e.g. temos sempre a mesma rotina antes de ir dormir) e de repente decidimos mudar a forma como fazemos as coisas, por mais ténue que às vezes essa mudança possa ser, é bem provável que a criança nos chame a atenção. É inevitável.
A ordem é vista como um sentido interno que permite distinguir as relações entre vários objetos. Ter uma ordem externa, ajuda-nos a criar uma ordem interna. E, enquanto que o adulto tem uma capacidade de pensamento abstrato completamente desenvolvida que lhe permite encontrar ordem no meio da desordem (às vezes), o mesmo não é válido para a criança.
A ordem na criança dá-lhe confiança, apoia a concentração e a execução do exercício, permite criar um ponto de referência, dando consistência e criando uma rotina, e esta é uma das bases da pedagogia Montessori, porque permite que a criança construa a sua identidade.
Na minha opinião, ao longo destes últimos anos, e numa lógica de senso comum, criou-se a ideia de que ordem/rotina seriam coisas menos boas e, por vezes, sentimos que existe uma conotação negativa associada. Estamos habituados a pensar em criatividade quase como por oposição à ordem, mas, na realidade, é exatamente o contrário. A ordem mental é a base da criatividade. Só quando a criança desenvolve perceções realistas e ordenadas sobre o ambiente que a rodeia é que é capaz de selecionar e enfatizar os processos necessários à criatividade. Por outras palavras, para que a criança expresse a sua criatividade, isto é, seja capaz de criar, relacionar objetos entre si, resolver problemas, ela tem de primeiro compreender o mundo à sua volta.
É fundamentalmente por estas razões que estrutura, ordem e criatividade estão completamente interligados. Para Montessori eles são imprescindíveis e permitem à criança a construção da sua personalidade 😊
Joana Magalhães